Poesias Escolhidas

Quando criei este blog, reservei este espaço para poesias, em geral escolhidas pelo meu amigo Cesar Albuquerque Garcia, e lidas em nossas reuniões em torno do evangelho. São textos que expressam o "respingar" da Graça de Deus na sociedade, em gente que defende a justiça para os desamparados, a desilusão em relação ao sistema, a esperança em mundo melhor através do combate que se expressa no amor prático. Depois, resolvi  acrescentar algumas poesias minhas sobre o amor. Aproveitem! 


Nunca Mais
Leonardo Cordeiro

Não pense em “nunca mais”
por aquilo que nunca houve.
No mundo das possibilidades
se ouve de tudo,
o coração ouve o que quer,
até faz haver o que não ouve,
isso é fé?
Fazer brotar o que não é?

Não apele aos “sentimentos”.
A emoção não é a voz da razão.
Ao contrário, aqui, mais é menos.
Sente-menos... É alívio para o coração.
Entesa o espírito. Endurece o ser
Olha para frente! Simplifica o seu viver
O ouvidar da vida precisa “haver”
Do contrário: nada a ver,
me houve?

 Nos-só poema
Leo

Não faz assim, dói de mais para mim...
Nossa poesia, nossa sabedoria,
As coisinhas que só nós sabemos?
As marchinhas que só nós dançamos?
Os carnavais que só nós pulamos?
Os corações que só nós quebramos...
Tola, tola sou eu!
De me dar a alguém que é cego!
Antes fosse mudo!
Sei que me olhas e me quer
Me amas e me desejas
Porque não para em minha teia?
Me rasga! Me come! Me bate! Me humilha
Mas não se esqueça de mim! Não desista de mim
Preciso entrar em você
Preciso ser em você
Quero te mostrar tudo o que tenho.
Você sabe o que está perdendo?
Pois saiba: eu tenho muito mais! Eu sou muito mais!
Fale! Faça um sinal de fumaça!
Me mostra teu fogo, que eu o sopro...
Minha boca o acenderá!
Faço tudo o que você quiser,
Só não fique em silêncio,
Só não vá embora,
Só... Não me deixe só.

Amor a 140
Leo
Amo você, não dá para entender.
Não tem motivo,
não tem razão.
De fato, amor não tem explicação.

Amo você, não dá para esconder
Não esconderia,
Nem se quisesse.
Amor é assim: acontece.

Amo você, não dá para esquecer
Como o respirar
ninguém nunca esquecerá,
amo você, sem raciocinar.
Não penso meu respiro.
Ninguém pensa seu respiro
Ninguém quer se engasgar.

Amo você, não dá para vencer
Quem ama perde, perde..
Perde sempre
Perde até se descobrir vencedor.
Vence quem permite ser vencido pelo amor.

Amo você, isso não tem tempo
Estou a 140. Estou muito lento.
Estou sem pressa. Estou com saudades.
Amo você em alta velocidade.

Amo você: isso não é paixão.
Embora um não exclua o outro.
Só depois de muito amar
E chorar...
Chega-se a seguinte conclusão
Paixão... Paixão não produz amor
Mas o amor... Amor é cheio de paixão

E Amar você, para além de qualquer coisa
É uma decisão.


A Falésia
Leo

Contemplo o mar.
Ele é meu.
Ele é vida.
Mas vem e vai. Vem e vai...
Devagarzinho, sussurrando sua melodia,
Desmancha meu trono.
Me deixa sem dono.
Se suja em meu barro. Vermelho de raiva.
O Sol também tenta deixar ele assim.
Em vão, é só imagem.
Eu, sou coragem, 
Eu, me derreto,
Eu, morro.
Nele, me dissolvo.
Mesmo sabendo, que é só um momento
Sôfrego, sem esperança, sem fé nem confiança
Porque não me reténs?
Logo voltas ao azul.
Me divides com o etéreo, 
Com o céu e com o inferno.
Mas um dia isso vai acabar,
E não será por falta de trancos e barrancos,
Eles são teimosos, 
Eles são muitos.
Pare de bater em mim!
Suba esse nível. Desça esse nível.
Me faz diluvio, me faz seca rachada.
Mas não seja constante. 
Previsível.
De lua. Ah, a Lua... 

Leonardo Cordeiro

Te Comer (saudade)
Leo

Quando ela vem,
Não sobra pra ninguém
Esvazia, desassossega
Emputece, desvanece
Quando ela vem,
Não sobra pra ninguém
Atormenta, enlouquece
Acende, estremece
Quando ela vem,
Não sobra pra ninguém
Fetiche, sufoco
Que louco! Que louco!
Quando ela vem, não sobra pra ninguém
Saudade, saudade
Se entrega, me esfrega,
E repete, como um sussurro que quer se fazer ouvir para além do muro
Quando eu te ver, vou te comer
Ate não sobrar mais de você

Eterno Amar
leo

Às vezes fico triste
Uma tristeza assim nem existe
Daquelas que fazem perder...
As certezas que um dia, no meu coração,
Pus-me a escrever

Porque faço aquilo que não sou
E me torno aquilo que detesto
Luto no luto do que já foi
Sovo meus pães do deserto
Farto de mim, magrinho de amor,
Levanto meus olhos, e me lembro,
Daquela esperança que me fez assim
Louco de amor por você,
Surtado pela consciência que me deixa sofrer
Salvo na cruz que me mata para viver
Ah! Mas quando a Graça chegar
Com ela, a noite toda, vou dançar
Trincado e ruído, a ti me ajoelharei,
Como um filho abraça o pai,
Como um cãozinho lambe seu dono,
A ti então direi,
Deixar o sangue daquela cruz pelas minhas rachaduras penetrar
Porque hoje, mais uma vez,
quero aprender o Eterno Amar


Vem Laura
leo

Laura, vem aqui
Não fique só para as crianças
E para si
Vem Laura, vem mais...
Eu ainda sou aquele velho rapaz,
Que um dia você viu
Sorriu

Muito aconteceu, muito se perdeu
E já não temos vinte e poucos anos
mas ainda tenho tantos planos
Volta Laura, volta para mim
Meu coração tá apertado
Quase parado, sofrendo calado
Quase sem saber
Que ainda temos muito a viver
Vem ver
Decida-se logo amor
Não temos tanto tempo
As crianças vão acordar a qualquer momento
Eu tenho tanto para te falar
Mil amores para te dar
Embora saiba que é daquele amorzinho
Simplesinho, quase feinho
Lá do começo
Que você gosta de se fartar
(Luísa acordou, pausa na poesia...)
Porque assim é que é
Eu sou homem, você é mulher
Cada vez mais defeitos nos descobrindo ter
Para então, e somente então descobrir
Com quanto amor nos amamos
Para continuar a seguir

O Tonto
leo

O coração dá mil voltas
E de tanto rodar
Tonteado, não se aguenta,
Cai em si
Para descobrir que amar...
É mais do que sonhar
É uma atitude (anti)natural,
Dói, geme
Nasce, pari. Não pare.

A Pedra e o Passarinho
Leo

Encontrei um passarinho
Ele me levou para o seu ninho
Quebrou seu ovo, me deu de beber
Debaixo de suas asas, como um pintinho, 
Me fez a vida voltar a bater

O passarinho não tinha dono
Liberdade, estranha maldade, 
De tanto me amar, se pôs a voar 
Voar para ser aquilo que quis
Longe de mim, inimigo me fiz

De tudo que é belo, bom e suave,
Esmaguei eu por pura maldade,
Ah lindo amor, tão bela tão grave
Me fiz pedra, pedra que voa, 
Que corta profundo, na consciência boa
De quem ousa me amar, leve, leve, no ar

Mas o tempo passou, e minha pedra secou
Secou de rachar, até se esfarelou,
Então eu vi, no meio da pedra, e me lembrei
Daquela peninha que eu guardei
A primeira que me deste, de várias cores, 
De vários teores, como dizia eu,
Cada cor, um amor, 
Para fazer cócegas no meu pavor

Serena e calma, aljava de minh'alma
Boa, bondosa, nunca boazinha, 
Sempre minha
Sempre sincera, Sempre vivendo
Longe de mim, 
Me amando mesmo assim

Mas que sangue é esse, que vejo em cada grão
Sangue seu, oh meu Deus não!
Dos meus surtos de flecha não quero lembrar
Da pedra que mata quem lhe quis amar

Esmaguei seu amor, me fiz seu feitor
Atravessei tua alma, rasguei-te em meu trauma
Para por teu sangue agora viver
Em baixo dessa sementinha que brota em meu ser

Serás árvore linda, cheia de sabiás
No fruto do seu choro elas se aninharão,
Nas mais belas flores por ti esperarão,
Com sua eternidade em meu peito enfiada
Sofro a felicidade das almas lavadas
Não, não vou te esquecer

Apenas aceitando a certeza que o Amor,
Para viver, antes, precisa morrer.


Amor Bandido
leo

Esse tal de amor bandido
É o nome que se dá
Para esse nosso egoísmo...
De si mesmo se fartar

Amor bandido não é fogo de palha
É duradouro, é canalha
O de palha tem leveza,
E a beleza do São João
Esse outro remói os tempos
Para até o pensamento
É sem fim sem conclusão
Amor bandido é coitado
Pobre e apressado
Ele, de tanto sofrer
Costuma dar-se o direito
De tudo que quer, poder
Até do diabo se fazer
Mas, pera lá, não se faça preconceito
Amor é amor, amor é amor-al
E se Deus é amor,
Amor bandido também tem lá seu divinal
Quem sabe um dia se redime,
Como paixão que vira amor
Tal bandido da Cruz
Quando a defender o Senhor
Foi depois, irremediável,
Pedir a Ele uma lembraça
Do Paraíso que que sonhou
Mas o que dele esperar?
Afinal, é amor bandido
Não tem nada a perder
É amor perdido

Soneto de Aniversário
Lido pela Natália, em seu aniversário.

Passem-se os dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

Amores-Perdidos
Leonardo Cordeiro

Te amei desde o dia em que te vi, desde quando o coração disparou.
Não, não dá para matar um amor.
Amor matado é como tiririca do brejo: arranca-se as folhas
Mas ele continua lá, debaixo da terra,
até o dia de brotar com toda a alegria de quem vê o sol depois de um longo tempo de prisão.

Se o amor se transforma, também é verdade que ele nos transforma.
Te amar foi um expandir de fronteiras
E decidir te deixar foi uma bomba atômica nos meus japonesinhos interiores.
Tão corretos, tão trabalhadores, tão cheios de si...

No caos Deus faz-se Luz.
Mas se eu fujo da luz, o diabo faz-se Deus.
Estranha verdade...

E quem tem medo da verdade?

Da verdade que te amo? Não, não há problemas nisso
O amor é mais que isso, é mais que desejo.
É mais que o egoísmo de só permitir-se a felicidade do outro ao seu lado.
O amor, depois de refinado no sofrimento, não tolera pretensiosismo.
Pelo menos o seu próprio...

Amor é prática. É vida.
E se quiseres saber, acabei de orar por você.
Para que tenhas luz, alegria, felicidade.
E paz.

Não, não me incluo em nada disso. Nosso tempo já se foi.
Já carreguei as culpas por ter tirado a sua paz.
Mas achei alguém que as levou sobre Si.
Desde sempre, na cruz que me salva todo dia de mim mesmo.

E que se crava em meu coração, me matando e me fazendo nascer de novo.
Na maior prova de amor que eu nem sequer imaginei existir.
E é incondicional. É unilateral.

Por isso, Amores-Perdidos, se me ver, não se preocupe com o que dizer.

Já está tudo pago.
Não me deves nem explicações, nem afagos, nem sorrisos forçados
Apenas se ouça. E deixe que o que de mim dei a você fale por si só.
Sem palavras ou carícias.
Apenas com a certeza de que o amor É.



Lira XIX

Tomaz Antonio Gonzaga


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Enquanto pasta alegre o manso gado,
Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
Na regular beleza,
Que  em tudo quanto vive, nos descobre
A sábia natureza.

Atende, como aquela vaca preta
O novilhinho seu dos mais separa,
E o lambe, enquanto chupa a lisa teta.
Atende mais, ó cara,
Como a ruiva cadela
Suporta que lhe morda o filho o corpo,
E salte em cima dela.

Repara, como cheia de ternura
Entre as asas ao filho essa ave aquenta,
Como aquela esgravata a terra dura,
E os seus assim sustenta;
Como se encoleriza,
E salta sem receio a todo o vulto,
Que junto deles pisa.

Que gosto não terá a esposa amante,
Quando der ao filhinho o peito brando,
E refletir então no seu semblante!
Quando, Marília, quando
Disser consigo: “É esta
“De teu querido pai a mesma barba,
“A mesma boca, e testa.”

Que gosto não terá a mãe, que toca,
Quando o tem nos seus braços, c’o dedinho
Nas faces graciosas, e na boca
Do inocente filhinho!
Quando, Marília bela,
O tenro infante já com risos mudos
Começa a conhecê-la!

Que prazer não terão os pais ao verem
Com as mães um dos filhos abraçados;
Jogar outros luta, outros correrem
Nos cordeiros montados!
Que estado de ventura!
Que até naquilo, que de peso serve,
Inspira Amor, doçura.


AMOR FEINHO
Adélia Prado

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.




Adoração Divina
Leonardo Cordeiro


Uma comida tenho para comer
E essa comida não é a comida de igreja
Não é feita de música, nem de caras contritas
Muito menos de egoístas preces aflitas

Uma bebida tenho que beber
Não é essa adoração de cantorias e choros que entregam,
Que têm com a certeza de quem cumpriu o seu dever
Mil razões para de mim se esquecer.

Hoje eu estou muito solitário, a procura de quem busque por mim
Uma solidão, que vá lá, se resolveria com uma conversa
Pena que vocês, meus filhos, estão com tanta pressa
Será que por esse velho pai ninguém mais se interessa

Que frieza, que gelo
Será que esse pessoal não vai entender
Esse fogo santo que tentam a alma encher
Sempre se apaga
Se o pobre o corpo não se agasalha?

Ah não! Deus não é um cachorro que precise ser alimentado
Muito menos um menino carente de paparicos
Não é um velho ou um doente
Nem gente pobre morrendo de frio,
que na cama os filhos amontoa, e pede a Jesus para os acudir
Pelo menos até o sol surgir.

Mas se esses pequeninos você acalentar
Ao mendigo você alimentar
Aos necessitados, com doce servidão, acolher
Ajudar esse vizinho pobre, esse velho,
Toda essa gente que não tem como pagar
Não se assuste com meu sorriso... É Adoração divina
Evangelho puro e simples,
É Graça, é amor, subindo às minhas narinas

Vinde, benditos de meu Pai,
Venham para que eu agora os acalente
porque o bem que fizestes a cada um destes
A mim mesmo, presentes impagáveis, oferecestes.


Soneto ao Espírito Santo
Cesar Garcia, nos seus primeiros dias de paz com Deus 

O amor que o Espírito nos concede é santo.
Transborda contentamento e pranto.
Invadindo como um canto
Toda a alma,toda a vida,todo o corpo.

Anjos anunciam sua chegada
E a paz é fixada.
Nos refazendo a alma dilacerada
Onde o choro é a benção gerada.

Deus se alegra na eterna felicidade dos céus
Que o Espírito nos trouxera,
Reinando por eras eternas.

E do Filho mais perfeito
A trindade foi instaurada
Para socorrer os solitários rebentos desta terra.


O Bicho 
Manuel Bandeira


Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.




"A Jesus Cristo Nosso Senhor estando o poeta para morrer "
Gregório de Matos


Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,
Em cuja fé protesto de viver;
Em cuja santa lei hei de morrer,
Amoroso, constante, firme e inteiro:

Neste transe, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer,
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um pai, manso, cordeiro

Mui grande é vosso amor, e o meu delito:
Porém, por ter fim todo o pecar;
Mas não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar
Que por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar

Oração do Pássaro
Frei Beto


Senhor, tornai-me louco, irremediavelmente louco
Como os poetas sem palavras para os seus poemas,
As mulheres possuídas pelo amor proibido,
Os suicidas repletos de coragem perante o medo de viver,
Os amantes que fazem do corpo a explosão da alma.

Dai-me, Senhor, o dom fascinante da loucura
Impregnado na face miserável do pobre de Assis,
Contido nos filmes dionisíacos de Fellini,
Resplandecente nas telas policrômicas de Van Gogh,
Presente na luta inglória de Lampião.

Quero a loucura explosiva, sem a amargura
Da razão ética das pessoas saciadas à noite pela TV,
Da satisfação dos funcionários fabricantes de relatórios,
Dos deveres dos padres vazios de amor,
Dos discursos políticos cegos ao futuro.

Fazei de mim, Senhor, um louco
Embriagado pelo vosso amor,
Marginalizado do rol dos homens sérios,
Para poder aprender a ciência do povo
Em núpcias com a Cruz que só a Fé entende
Como um louco a outro louco.


O LOUCO NA IGREJA
(Fuga sacra)
Alexei Bueno 
 

Flores brancas, flores frias,
Cravos, lírios... Flores claras
Das cruzes das sacristias
Que encobrem com graças raras
Os crânios de almas preclaras
Guardados nas galerias
E os cristos de pedrarias
Cobertos com pedras caras.
Gretadas teclas cansadas,
Crivadas marchetarias,
Dos cravos de mão pregadas
E os cravos das melodias
Que as horas cremam vazias
Com notas crucificadas
Nos crivos das balaustradas
Quebrando o cristal dos dias.
Cantarias denegridas,
Quadros negros nas escadas,
Colunas gregas descridas
Nas grutas sacramentadas,
Catedrais das madrugadas
Carpindo estrelas ungidas
No escrínio escuro das vidas
Que clamam petrificadas. 
Contrições das faces magras,
Gangrenas encandecidas,
Adros graves, almas agras,
E as ocres carnes feridas,
Cornijas, campas perdidas,
E as covas cheias de pragas,
Crestados claustros nas fragas,
Rangentes dentes deicidas...