sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Comendo da maçã do evangelho

*Dedico este texto ao meu amigo Felipe, que conheço a tão pouco tempo e que vejo tão pouco mas sinto como se já fosse um amigo de longa data.

Adão e Eva comeram do fruto da árvore do bem e do mal. A figura do fruto como "maçã" veio muito tempo depois, provavelmente a partir do sincretismo oficial do evangelho com as religiões do Império Romano, no caso, a maçã de Artemísia, também esta maçã um símbolo sexual (quando cortada ao meio seria o sexo de Artemísia), e daí outra resposta histórica de porque tanta gente até hoje associa o pecado no Paraíso ao ato sexual de Adão e Eva (que de pecado não tem nada), e não a desobediência a partir do motor da inveja de serem eles iguais a Deus.

 Então vem Jesus, milhares de anos depois, um novo Adão, um novo "primeiro homem", não buscando ser igual a Deus, antes buscando o tempo todo esvaziar-se de sua glória, de sua divindade, mesmo sendo Ele o próprio Deus. Não buscando comer de fruto nenhum que não fosse o próprio Deus, e o tempo todo dando de si mesmo para ser comido.

Jesus cita parábolas para ilustrar isto em todo seu ministério. Chega ao ponto de dizer que os que não comerem a sua carne e não beberem do seu sangue não podem segui-lo. É uma parábola muito forte, me lembra uma escultura que vi alguns anos atrás, uma gansa que abre o ventre com seu bico e dá de comer do seu próprio fígado a seus filhotes. Jesus, para dar de comer a seus filhos, ou seja, para fazer sua mensagem, sua palavra conhecida a seus filhos, a proclamou publicamente sabendo que essa mensagem, essa palavra, o levaria a morte, porque esta mensagem, culminando na Cruz, abalaria os fundamentos de todos os mundos, como abalou, de todo sistema onde pudesse ser ouvida, como foi, e como é até hoje, quando ousamos pregar a palavra e vive-la até as últimas consequências.

Pena que tão poucos ousem.    

Interessante que o mesmo motor de inveja de novo entra em ação nos religiosos judeus que, por não conseguirem a mesma atenção do povo, por não terem o mesmo carisma, por não serem, enfim, como Jesus, é esta mesma inveja que os impulsiona a levar à cruz Aquele que os deixavam perplexos com tanto amor pelo povo que eles escravizam espiritualmente.

Mas voltemos aos frutos. Jesus coloca os seres humanos na perspectiva de árvores, umas dão maus frutos, outras bons frutos, e ainda há aquelas que são estéreis, mas que se disfarçam com os sinais que as árvores dão quando estão carregadas de frutos.

Jesus em certa ocasião falou dos maus "frutos", em contrapartida a acusação dos fariseus aos seus discípulos estarem se contaminando espiritualmente ao violarem as leis higiênicas dos judeus. Jesus coloca os fariseus como sendo aqueles profetizados por Isaias, que o adoravam com os lábios enquanto seus corações estavam longe dEle,  ensinando doutrinas que não passavam de regras criadas por homens. Jesus cita  os maus desígnios, imoralidades sexuais, homicídios, furtos, adultérios,  ambições desmedidas, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a difamação, a arrogância e a insensatez. prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a soberba e a loucura.

Ora, porque Jesus frequentemente associa os maus frutos a essa disposição fingida, a essa hipocrisia para com a vida?

Talvez porque a cura de todo coração passe pela exposição à verdade. Quando chega a luz, as pessoas em geral tem duas alternativas, ama-la e se arrependerem do que tem de ruim, vendo-se e às vezes sendo vistos agora claramente com a luz que brilhou neles, ou, ao enchergarem-se, amarem mais o que eles sabem que é errado, e pelo medo da verdade, pelo medo de serem descobertos, fogem da luz, tornando-se muito mais doentes em seus enganos.

A disposição fingida para com a vida (a vida na sombra) não é apenas o entrave para a cura, mas o combustível que alimenta boa parte das doenças da alma.

Yung, contemporâneo de Freud, baseia boa parte de suas teorias psiquiátricas neste conceito. Ao conceito de sombra (que é o que Jesus disse a respeito), ele inclui o conceito de "self", ou falso eu, que seria basicamente os arremedos e vícios e lixos de alma que vamos adquirindo ao longo da vida, pelo simples fato de querermos ser a caricatura do que a sociedade quer de nós (ou do que imaginamos que ela queira). Quando saímos da sombra, damos o primeiro passo para arrancar essas colagens e deixarmos que o verdadeiro eu brote perante a luz, do mesmo jeito que uma sementinha brota quando chega a luz do sol.

E os bons frutos? Paulo, na sua famosa lista de frutos do Espírito, na carta aos Gálatas, fala de alegria, paz, paciência, benignidade (como ter um saco cheio de bem dentro de você), bondade (o andar reto, andar certo), fidelidade, mansidão e domínio próprio.

Não creio que frutos devem ser buscados, não creio que eles devem ser pedidos de orações infindáveis, creio que eles sejam, simplismente, a consequência da vida que levo.

E entrando no contexto da carta de Gálatas, se vivo no Espírito, produzo frutos de vida. Se vivo na carne, no instinto de maldade do meu ser, segundo o curso do sistema, produzo o mal.

Claro, existe uma carga de esforço, como tudo na vida, necessária para a mudança de qualquer hábito. Se isso vale para obesidade, quanto mais não vale para hábitos de mexerico, ou malediscência, ou preguiça, ou sexo desenfreado, ou mentira, etc.

Mas a vontade de quebra de hábito poderá, no máximo, fazer de você uma pessoa disciplinada para a vida. Para além disso, para a profunda felicidade, é necessário que você se permita alcançar pelas boas novas do evangelho.

E Ele quer se fazer conhecer por você todo o tempo. Inclusive no tempo que se chama Agora!

Por isso, abra-se para Jesus, e abra-se de olhos bem abertos, para não confundir religião e seu caldo cultural de regras, com Jesus e a sua Palavra.

Abra-se para o perdão. Ele te perdoou de tudo.

Isso gera em nós frutos imediatos!

Alguém que se sabe perdoado por Deus sem ter nenhum merecimento nisto, consegue negar o perdão aos que lhe fazem mal? Consegue ter um olhar criticador e implacável em relação ao próximo?

Enquanto isto, porque o que mais se vê, nessa nossa geração, é a falta de perdão até com os que nunca nos fizeram mal?

Não vou nem me referir a somatizações, comprovadas cientificamente a muito, dos que guardam raiva, rancor e amargura dentro deles... Tudo por falta de perdão...

Abra-se para Jesus, abra-se para a generosidade. Afinal, quem foi acometido do "surto da Graça" se sabe imensamente pago, muito além do que merece. A vida se torna um presente, e quem é tão presenteado, se sabe devedor, e presenteia.

Exercite a generosidade que há em você, verdadeira, sem segundas intenções, ingênua, genuína.

Não há espaço para mesquinharia, nem amor ao dinheiro, em quem pratica generosidade...

Você vai se surpreender com o que acontecerá a você quando de fato for generoso. O olhar das pessoas a seu respeito simplesmente será outro.

Observe como Deus sempre cuidou de você, e olhe como boa parte do que chamamos de sorte ou azar, no fim das contas, é o cuidado dEle para com você, em cada amizade, em cada experiência boa, em cada doença e em cada sofrimento.

Confie nEle, experimente esse salto de fé. E o "Deus dinheiro" nunca mais será alvo de sua devoção nem de sua confiança.

Você não precisa do Status que o dinheiro dá nem da segurança que ele lhe oferece em relação a teto, a roupas e a alimento. Não, essas coisas vem de Deus (não falo do status, mas das necessidades básicas da vida), mediante seu esforço, claro, dada a conjuntura econômica de cada lugar.

Saiba, Deus ajuda bons e maus. E quando essa confiança salta para a certeza de que mesmo na falta, tudo acaba bem, então, muitos frutos são colhidos, e de muita ajuda você será para os que estão a sua volta.

Abra-se para a oração a esse Deus que é Pai, que é Senhor, mas que também é amigo. Leve suas questões a Ele, suas dificuldades, seus problemas. Boa parte do que você chama de solidão e carência, vazio e tristeza, se transformarão em solitude muito desejada para oração prazerosa, e o vazio em  momentos desejados para auto-conhecimento.

As opiniões dos outros em relação a você perderão a sua importância, a energia negativa dos outros não mais te afetarão. Você não mais sentirá necessidade de responder a toda calúnia, de reagir a todo enfrentamento, de ganhar todo o debate, na verdade nem o debate fazerá mais parte de sua atitude. Você saber-se-á amado, afirmado. A auto-afirmação não fará mais sentido.

Abra-se para a certeza da vida eterna em Jesus, para a certeza do seu amor que é imparcial, não depende do que você faz, abra-se para esse amor que é unilateral, não depende de você.

Quem se sabe amado por Deus para além de todas as coisas, encara o desconhecido sem medo.

Encara inclusive sua própria cruz.

O medo da morte vai embora, e todas as suas neuras e necessidades de se "aproveitar a vida". Fica uma paz, serena e tranquila.

Enfim, coma da maça do Evangelho, não a maça do engano e do desejo deusificante de Adão, coma da maçã que é Jesus e sua Palavra, deixe essa semente germinar em você, lenta e silenciosamente, até que a árvore do Evangelho produza em você todo fruto de vida, para que assim, você e os que estiverem a sua volta sejam fartos dos frutos do Espírito de Deus.



Sexta, 12 de outubro de 2012.

Casa Rosa, Italva

Leo

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