Fecho as cortinas de casa. Imagens de crianças e mulheres em pranto invadem minha sala... Desligo a tv. Mas não tem jeito, as crianças do vizinho não param de chorar... Não ouso olhar pelas frestas da cortina, vá lá que veja algo pior.
Não quero ligar para casa, não quero falar com meu Pai, com
meu irmão, com meus filhos...
Quero apenas dormir... Como dormi em 86, depois de tanto
sonhar com Zico, Josimar, Sócrates, Júnior, Careca...
Acho que o futebol brasileiro dormiu comigo, ali, para nunca
mais acordar...
Como uma plantinha que vai murchando pela falta da seiva dos
sonhos de suas crianças o nosso futebol foi morrendo, morrendo, e na sua
fraqueza foi sucumbindo aos pulgões do poder, ao gosto pelo dinheiro fácil...
Mas a arte tem de ceder lugar ao pragmatismo...
Temos de deixar de ser criança... O Flamengo de 87 tentou
teimosamente nos dizer o contrário.
Mas não tinha jeito, proliferavam líberos... Cabeças-de-área...
Alas .
Até que surgiu um faixo de luz, como numa ressureição, Telê,
Raí, Muller, Cafu e cia. começaram a jogar maravilhosamente... O São Paulo de
Telê ganhou do Milan de Arrigo Sachi; ganhou do Barcelona de Croif...
O Guardiola estava lá, sentiu a derrota, se inspirou
naquilo...
Mas para nossos “Parreiras” isso era coisa do passado... Nossa
seleção quis ser campeã a Milanesa... Como seu Fluminense de 84...
Não gosto de 0 x 0.
Eu e o futebol brasileiro continuávamos dormindo... Não
houve grito de gol que nos acordasse...
Veio 98, 2002... Era tudo estranho, jogadores maravilhosos que
não trocavam passe. Joga para frente que o Ronaldo resolve... Joga para frente
que o Rivaldo resolve. Não havia liga, não havia magia. Havia vitória. São os
craques egoístas, que não passam, não dividem a glória. Sinal dos Tempos.
Veio 2006. Que bagunça. Fiquei imaginando o que os velhinhos
ranzinzas da minha cidade, gente de outro tempo, gente cascuda, diriam vendo
aqueles jogadores fora de forma se escalando.
Às vezes jogar fora do Brasil é muito bom. O já decadente Rivaldo não entendeu isso
quando saiu da reserva de Milan e foi jogar no Cruzeiro. Parreira nunca mais o
convocou.
Com a nomeação de Dunga para a seleção em 2006, entendi que
o futebol que vi com meus 8 anos não estava dormindo. Quem estava dormindo era
eu. O futebol que ouvia falar, dos anos 50, 60, 70 e 80 não existia mais. Esse
futebol brasileiro havia morrido, e dado lugar a algo mais forte, mais feio,
sem beleza, onde o resultado era tudo que importava. Trocaram a cachaça pelo álcool
anidro.
Veio 2014... E já não sou mais um jovenzinho. Os jovens de
hoje não viram 82, quiçá 86... No campo de várzea da Formosia, num povoado
de 500 habitantes no interior do Rio, onde adoro jogar quando visito minha sogra,
os meninos não perdem mais tempo com meu Botafogo, só querem ver a premier league, o Espanhol... Parece que estou em El Salvador...
Às vezes custa, mais uma hora acordamos... Tenho reunião
hoje cedo. Tenho que preparar um relatório, um parecer... Coisas que fui
enrolando por causa da Copa.
A vida continua... A vida nos muda... Tudo tem um início, um
desenvolvimento, um apogeu, e um fim. Acontece com partidos políticos, com
ideologias, acontece com grupos religiosos... Aconteceu com nosso futebol.
Uma semente precisa morrer para se tornar algo maior, mais
ela só vinga se achar boa terra. E mesmo assim, tem de ter espaço para crescer.
Ninguém vinga entre espinhos...
Terra adorada, idolatrada... Estou manco, estou sem pé nem
cabeça, mas não paro de caminhar. Não paro de sonhar. Meu filho chuta com as
duas, e ele nem tem dois anos.
E que terra essa semente achará para crescer? Será que ele terá de ir para Espanha, terra
de seu avô? Haverá espaço para honestidade, para quem fala a verdade? Haverá espaço
para quem não puxa o saco do governo, para quem quer dizer o que pensa?
Ah Brasil, terra que constrói templos, shoppings e estádios,
e deixa suas crianças se matarem chafurdadas em seu “crack”.
Ah Brasil, sua hora é agora! Diga sim para a vida. Diga sim
para o bem, diga sim para a dignidade! Ah Brasil, não se deixe levar pela
média, pela mediocridade, pelo fato dos outros não fazerem a parte deles, não! Não
suborne o guarda! Não dê um jeitinho no imposto de renda! Não faça de conta que
não vê o mendigo, o menino de rua! Não deixe seu vizinho passar fome, nem seja
imóvel ante o sofrimento da sua empregada doméstica, o do seu colega de
trabalho!
Porque a desgraça de nossa Seleção é a desgraça de nossos
clubes! A desgraça de nossos clubes é reflexo da desgraça de nossa sociedade!
Abra as cortinas, meu povo! Sinta os raios fúlgidos, deixe-os
te iluminar, se enxergue, mude. Acorde!
Porque não és gigante,
como pensas que és. Gigante, vá lá, é a sua sombra. Nem dorme, nossa gente boa,
em berço esplêndido. Dormimos, quase todos, em manjedouras, em coxos de
jumentinhos, na realidade de uma vida difícil.
Acordem. Porque há muito a ser feito, em todas
as áreas. Acorda, Brasil.Leonardo Cordeiro.
10/07/2014