terça-feira, 24 de maio de 2011

Nem fácil nem difícil, apenas Graça


A Graça não é barata. Na verdade ela é tão cara que comprá-la é impossível, tão impossível como comprar a Deus. Mas por estranho que possa parecer, Deus resolveu dá-la, sem querer nada em troca, a todos. Sem exceções.

Não, definitivamente não há meritocracia na Graça de Deus. E o ladrão da cruz, reconciliado com Deus em seus últimos instantes de vida, agradece.

Paulo explica isso em sua carta aos Romanos, de onde eu tiro algumas das
minhas citações favoritas sobre a Graça:

"sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus"

"...mas onde o pecado abundou, superabundou a Graça."

"Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estás debaixo da lei, mas debaixo da Graça."

Muita gente boa, não entendendo isto, acaba caindo na síndrome do legalismo.

Aconteceu com a Igreja de Jerusalém, que ao mesmo tempo dizia que era composta de milhares de varões cristãos, seguidores da lei, mas que permitiu que Paulo quase fosse trucidado, só porque este, Paulo, pregava a Graça ao invés da Lei judaica em suas viagens pela Grécia e pela Ásia Menor, e olha que Paulo havia vindo com muito dinheiro enviado por estes gregos para os pobres de Jerusalém...

Aconteceu com as igrejas da Galácia, de Colossos, de Éfeso e praticamente por onde Paulo passou. Os Judaizantes, depois de Paulo seguir seu caminho, vinham e "terminavam" o que Paulo havia começado. Ora, Paulo pregava a Jesus, o perdão dos pecados pelo sacrifico da Cruz, a ressurreição dos mortos e todos aplicativos que daí decorrem, e esses fariseus "convertidos" pregavam, basicamente, a necessidade do cumprimento dos ritos judaicos, transformando a Fé em Cristo em Judaísmo. Do sábado à circuncisão, do que comer ao que tocar, e uma infinidade de regras que iam da assepsia à ajuda aos pobres, além de rituais que nada mais eram que sombras muito frágeis do que estava por vir: Cristo.

Bom, desse contexto temos o privilégio de conhecer um pouco da mente de Paulo, quando ele se expressa em suas cartas sobre todos esses assuntos:

Aos colossenses, ele diz:

"Tende muito cuidado para que ninguém vos escravize a vãs e enganosas filosofias, que se baseiam nas tradições humanas e na falsa religiosidade deste mundo, e não em Cristo."

"[Deus] vos deu vida juntamente com Ele, perdoando todos os nossos pecados; e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu completamente, pregando-a na cruz; e, despojando as autoridades e poderes malignos, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre todos eles na cruz. Portanto, ninguém tem o direito de vos julgar pelo que comeis, ou pelo que bebeis, ou ainda com relação a alguma festa religiosa, celebração das luas novas ou dos dias de sábado. Esses rituais são apenas sombra do que haveria de vir; a realidade, todavia, encontra-se em Cristo"

Aos Gálatas ele questiona:

"Foi por intermédio da prática da Lei que recebestes o Espírito Santo, ou pela fé naquilo que ouvistes? Estais tão enlouquecidos assim, a ponto de, tendo começado pelo Espírito de Deus, estar desejando agora vos aperfeiçoar por meio do mero esforço humano?" e

"Agora, entretanto, que já conheceis a Deus, ou melhor, sendo conhecidos por Ele, como é que podeis pensar em retroceder a esses princípios insignificantes, fracos e pobres, aos quais de novo desejais servir? Guardais dias, meses, tempos e anos. Temo que eu talvez tenha ministrado inutilmente para convosco."

Aos Efésios, ele afirma:

"Porquanto, pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem por intermédio das obras, afim de que ninguém venha a se orgulhar por esse motivo."

"fostes aproximados mediante o sangue de Cristo. Porquanto, Ele é a nossa paz. De ambos os povos [judeus e não-judeus] fez um só e, derrubando o muro de separação, em seu próprio corpo desfez toda a inimizade, ou seja,anulou a Lei dos mandamentos expressa em ordenanças, para em si mesmo criar dos dois um novo ser humano, realizando assim a paz, e reconciliar com Deus os dois em um só Corpo, pelo ato na cruz, por intermédio do qual Ele destruiu toda a irreconciliabilidade."

Ora, o escândalo da Cruz é tão libertador que constrange os que crêem que as pessoas precisam de cabrestos de regras superiores para não se desenbestarem  pelo caminho.

Sim, quem se levanta contra a Graça que a tudo perdoa se levanta contra a Cruz.

Os defensores da Graça Legalista apontam para aqueles que vivem de maneira dissoluta, mas querem massagear suas consciências com a desculpa do perdão total de Deus. Como um filho que, sempre sendo perdoado, nunca vai deixar de abusar da generosidade do pai...

A graça barata (batizada assim pelo teólogo alemão Bonhoffer) que me libera para a sacanagem da vida...

Bom, quem pensa assim, que pense, quem quer viver deste jeito, que viva... Mas falando sério? Quem está nessa de justificar suas maldades ainda não entendeu nada. Quem está nessa só trocou o nome do cabresto (ou super-ego, como definia Freud), mas o peso dessa canga terrível ora ou outra irá aparecer.

E o que Jesus fala a respeito? Não parece que Jesus trata a salvação com um certo preço?

Sim. E não.

Sim, porque Jesus fala do homem que, descobrindo um grande tesouro em um campo, vendeu tudo que tinha para comprá-lo. Sim, Jesus fala da vida que tem de se perder para achar o que é, de fato, vida.

Sim, porque Jesus fala do convite para uma grande festa feito a todos, mas aceito só por uns poucos, miseráveis, justo os que não tinham nada a perder. E aí aparece um sem os trajes de festa, distribuídos na entrada... É colocado para fora, porque não quis nem mesmo se vestir com as belas roupas dadas de graça...

Sim porque Jesus fala da Cruz, sem rodeios, como enfrentamento inerente daqueles que tem suas vidas transformadas e adquirem um novo olhar da vida, uma nova consciência que não os deixa mais compactuar com o sistema. A ponto de morrerem, de perderem suas vidas mesmo, por defenderem o amor, o respeito ao próximo, a justiça para com o outro, e por declararem sua fé em Jesus.

E paradoxalmente Não, a Graça, a salvação, esse perdão imerecido não tem preço. Porque quem, em verdade, foi alcançado pelo amor de Deus, até as víceras, não reconhece mais valor algum no que o sistema diz ser importante.

Não, porque Ele já pagou o preço.

As mudanças de hábito doem? Claro, e quanto mais enraizado for o hábito, o vício, mais doloroso e demorado, em geral, será a sua desmobilização química, sináptica, hormonal e psicológica. Mais isso não está relacionado, necessariamente, a nossa salvação, mas a nossa saúde, ao nosso céu que começa aqui na Terra.

A disciplina não nos faz felizes, ela nos limita a caminhos menos dolorosos. Digo isso da disciplina boa, que nos protege da preguiça, dos exageros provocados pelos alteradores de consciência, que são as drogas e o álcool, dos problemas relacionados ao sexo antes da hora, das questões de respeito às autoridades constituídas, e nos protege até da desorganização perante a vida, que nos faz pouco produtivos e morosos. E frisei a disciplina  "boa", porque, é claro, tem a "ruim", que é o exagero e a neurotização de todas essas questões (dentro ou fora da religião), que criam tabus, neuroses e pulsões culposas, em vez da simples facilidade no tocar da vida.

Minha "rebeldia" nunca foi contra nenhuma dessas disciplinas, mas sim com as vozes que colocam nessas disciplinas básicas o selo de salvação ou punição eterna. E quando isso vem de quem carrega o nome de Jesus... Mais indignado eu fico, porque justamente estes deveriam entender o significado do sacrifício de Jesus, desse presente que ninguém merece nem consegue fazer por merecer, justamente esses acabam por pregar a graça legalista, a salvação pelos regulamentos da moral da época.

O ladrão da cruz não precisou de nada disso para ser convidado pelo próprio Jesus ao Paraíso. Ele apenas  expresssou, sem ter nada a ganhar, o que nenhum apóstolo havia reconhecido, respondendo ao desafio de "descer da cruz e salva-los" que um outro crucificado havia feito a Jesus: 

"Nem ao menos temes a Deus, estando sob a mesma sentença? Nós, na verdade, estamos sendo executados com justiça, pois que recebemos a pena que nossos atos merecem. Porém, este homem não cometeu mal algum!”.

 Acho que Paulo entendeu perfeitamente o espírito que habitou esse ladrão, e que fez ele, anos depois, expressar:

"Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim."

A graça da cruz está nas entranhas daquele que, não se suportando mais, desiste de si mesmo, e reconhece que, quem matou Jesus, no final das contas, foi ele próprio. Quando essa consciência nos toma, milagrosamente sentimos o perdão de Deus, entendemos a Graça e encontramos o Paraíso, que começa, apesar de toda a loucura do sistema, e de todas as dificuldades, hoje, agora, aqui.

Que o rio da vida flua de dentro de você, acabando com o deserto a sua volta!

Basta crer!
Leo
 

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