segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Um grão de trigo chamado Dostoievski

Dostoievski é o meu romancista favorito, pelos seus personagens e enredos complexos, pela profundidade psicológica que ele conseguia discernir e expressar, pelos heróis ambíguos e inseguros como nós, mas que seguem em frente por algo maior que eles, e especialmente pelo Evangelho, pela Graça e pelo Perdão contidos em suas histórias e em sua vida.

Acusado de traição contra o Czar, foi condenado a forca e recebeu o comunicado de "perdão", já com o capuz no rosto, enviado por um mensageiro de última hora. Um capricho de um governante que gostava de mostrar ao povo sua "generosidade". No mesmo dia, Fiodor Dostoievski enbarca para a prisão pérpetua na Sibéria, quando, ainda no trem, recebe um Novo Testamento que mudaria para sempre a sua vida.


Anos depois, ele diria a frase que eu e muitos gostariam de ter dito:

"Se vocês me provassem que a Verdade não está em Jesus, fiquem com a Verdade, eu continuo com Jesus"


Claro que ele não cria que Jesus fosse alguma espécie de fraude, ou que alguém podesse provar isso algum dia, o que ele quis dizer, mesmo, é que entre todas as certezas da vida e Jesus, não há a menor chance de não se escolher a Jesus.

Com a queda do Czar, Dostoievski recebe um indulto e vai para Moscou, onde monta sucessivamente gráficas publicadoras que sempre quebram. Sofre com a morte da esposa, se torna viciado em jogo e vive alguns romances. Tem de escrever freneticamente para saldar dívidas, de onde surgem simultaneamente os livros O Jogador (em 15 dias), e Crime e Castigo, além do casamento com a copista contratada, Ana.

Em Crime e Castigo, seu romance mais famoso, temos um jovem estudante que comete um homicídio idiota, vindo a se arrepender e se entregar a polícia para passar anos na Sibéria, tal qual o próprio Dostoievski .

Seu persongem é um exemplo de obstinação e caráter. E é também uma parábola de quem viveu e discerniu o valor da dor.

Ele dizia que a "verdadeira dor, que nos faz sofrer profundamente, pode produzir resultados sérios e contínuos até para alguém que não reflete. Até um espírito pobre pode tornar-se mais sensível e inteligente depois de uma grande dor."

De fato, a dor é a âncora que não nos deixa surtar neste mundo.
 
Mas nesse livro, quem rouba a cena é Sônia, a garota que se prostitui para sustentar um pai bêbado e mais quem ela acha na rua... É como se Dostoievski estivesse colocando em seu livro aquela passagem do Evangelho de Mateus, em que Jesus revela aos religiosos que viviam se entrepondo entre Ele e o povo: as protitutas e os publicanos entram na frente de vocês no Reino dos Céus.

Em outro romance, Alexey, o caçula dos Irmãos Karamazov, trava belíssimas discussões com seu irmão ateu, vindo de Moscou, cheio de idéias modernistas.

"Deus não existe, então tudo é permitido", é o que dizia e ensinava sem perceber que estava motivando o empregado da casa a matar o velho Pai deles... 

Ariano Suassuna diz que deixou de ser ateu depois de ler este livro, e especialmente essa frase (se bem que ela é a síntese da história toda).

Dias antes, havia ficado sem resposta para a pergunta de um jovem aluno de sua Cadeira de Ética. "Ora, se eu me movo pelo prazer, como em relação ao sexo, a alimentaçãoe aos demais instintos, ao autruísmo e a vida em comunidade, como poderei reprovar alguém que mate pelo prazer da vingança, pelo seu direito de odiar o que lhe fez mal? Ou pior, como poderei reprovar um psicopata que mata pelo prazer de matar? O pecado dele seria apenas sua distinção de prazer em relação à maioria, à moda, à moral (palavras sinônimas neste contexto!)?"

Sim, Ariano entendeu que tem de haver uma força maior, uma mente que pense e reja o universo, e coloque em nossa consciência os valores do que é certo e errado. Do contrário, não há bases para um bem viver, ou melhor, não há sentido nisso. Além do mais, Ariano, inteligente como é, não creu em Deus apenas por uma frase ou um livro, mas porque ele sabia que isso, a Lei interior da consciência,  estava nele, sempre esteve, e estava em todos que ele conheceu.

Mas às vezes um simples estalo muda tudo.

E um pequeno estalo faz um túnel desabar...


Poucos meses depois de escrever este livro Dostoievski se despede desta vida, em torno de 60 anos, e em seu túmulo inscreveram, a seu pedido, a seguinte frase de Jesus, do evangelho de João:

"Se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer produzirá muito fruto."

Eu mesmo provei, nos meus dias mais áridos, dos frutos cristalizados contidos nas histórias de Dostoievski. São como pequenas janelas que se abrem para a Vida, para Jesus. Pequenos estalos, que nunca são ouvidos se em você o medo de morrer, de perder o que tem, se a covardia da comodidade da vida forem maiores que a Lei interior que está dentro de você.

É isso.

E Jesus, que nos chamou para produzir muito fruto, te abençoe. 


2 comentários:

  1. estamos em 2016, seu escrito me fez um bem danado!

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    1. Quem sabe não foi escrito para você, esperando ser lido? Abraços!

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